UM PASSEIO POÉTICO

H. Masuda Goga

No dia primeiro de abril de 1995, ocorreu o primeiro passeio haicaístico (passeio com o objetivo de se escrever haicais) no mundo do haicai em português. Apenas quatro eram os participantes, todos membros do Grêmio Haicai Ipê (Edson Kenji Iura, Francisco Handa, H. Masuda Goga e Teruko Oda).

De manhã cedo, dirigimo-nos de carro ao sítio da família Hirota, nas imediações da cidade de Santa Isabel. Embora a pouco mais de uma hora de distância da cidade de São Paulo, o ar era limpo e a visão das nuvens correndo no céu trazia uma impressão de frescor típico de outono.

Neste dia, ocorria a atividade de encaixotamento dos caquis colhidos, despertando a curiosidade dos visitantes da metrópole. O céu que até então apresentava-se encoberto, logo deixou entrever o sol. Tiramos os nossos agasalhos.

Mal chegados ao sítio, todos animadamente embrenharam-se no caquizal, fazendo deslizar vigorosmente as canetas sobre seus blocos de notas. Ao meio-dia, abriu-se uma mesa portátil sob a sombra de uma árvore, em torno da qual iniciou-se uma típica reunião de haicai.

Embora fixado o objetivo de dez haicais por pessoa, apresentaram-se 42 haicais para avaliação. Foi iniciada a avaliação dos haicais, sendo determinado que cada pessoa escolhesse os melhores em sua opinião, somando um ponto para o autor de cada haicai escolhido.

Com o resultado, 16 pontos para duas pessoas, empatadas em primeiro lugar, a sessão de haicai foi encerrada sem competição, num clima de harmonia. Embalados pelo vento refrescante que soprava sobre a nossa colina, servimo-nos do lanche que trouxemos, permanecendo no local por mais duas horas, após o que retornamos a São Paulo.









Quando o carro dos haicaístas chegou ao caquizal, nuvens escuras escondiam o céu e um forte vento soprava:

Diante do vento
Todo o caquizal se verga
Saudando o poeta!

Francisco


Sob o céu nublado,
Pomar de caquis maduros
-- lâmpadas acesas!

Francisco


Com esses dois haicais, esboça-se a situação daquele instante. No entanto,

Sacudindo os galhos,
O vento que se alimenta
De caquis fresquinhos!

Teruko


Divertida é a impressão sentida pela autora deste haicai. E eis que, ao ver um bezerro comendo as ervas sob os caquizeiros:

Pomar de caquis:
O bezerrinho prefere
Cardápio de capim!

Teruko


Aparece um haicai bem-humorado e algo irônico. Ao que se segue a sutileza de:

Sob o caquizeiro,
Uma erva desconhecida
Mostra suas frutinhas.

Edson


E com estes versos singelos, pode-se apreciar o clima da ocasião:

No fim do passeio:
Tirando picões* da calça
À sombra de uma árvore.

Edson


Com os versos abaixo, o autor veio também oferecer sua contribuição ao grupo:

Uma folha rubra:
Do ramo do caquizeiro
esperando a queda!

Goga


Um bando de pássaros
No alto do céu: Deslizam
Nuvens outonais.

Goga











É gratificante poder escrever haicais "ao ar livre", atingindo o objetivo de tornar-se uno com as forças da Natureza. No Sanzôshi, Bashô diz: "Captura a luz que emana das coisas, enquanto ela não se apaga". Este é o aprendizado que buscaram os haicaístas ao participar deste passeio. Sabemos que nos Estados Unidos, passeios haicaísticos têm se tornado comuns. Oxalá tenha chegado esta época também para o Brasil.

Primeiro de abril de 1995. Tornou-se realidade o passeio haicaístico planejado, em clima de gozação, para o Dia da Mentira. Brindamos em comemoração ao primeiro evento desta natureza em língua portuguesa realizado no Brasil.

Dia da mentira:
Aquele ginkô* sonhado
Saiu como fato!

Goga









*Picão: Tipo de erva cuja semente adere ao pelo dos animais ou às roupas das pessoas. Também conhecida por cuambu, carrapicho ou pega-pega.

**Ginkô: Passeio poético, em japonês (pronuncia-se guincô).


23 de fevereiro de 1997

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