Caqui: revista brasileira de haicai

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Portal, dezembro de 1990, São Paulo, pp.24-25

Grilos Falantes

Evento poético confirma que podemos dizer muito falando pouco

Concentração e descontração. Música indiana e suspense. Racionalismo ocidental e zen budismo. Poesia e prosa. Síntese de imagens. Pergunta e resposta. Ocidente e Oriente. Foi o 5o Encontro Brasileiro de HaiKai, que aconteceu no Centro Cultural São Paulo, em novembro.

A biblioteca do Centro Cultural, fechada às suas atividades, às 18h já começava a receber o público. Um dos primeiros a chegar foi Alberto Puchen, carioca, que, de manhã, leu uma nota sobre o evento na Folha de S. Paulo. Imediatamente, pegou o primeiro avião da Ponte Aérea para participar do 5o Encontro. Embora já conhecesse Matsuo Bashô, só há três meses começou a se interessar mais pelo haicai (grafia aportuguesada), escrevendo alguns "de maneira intuitiva. Estou muito curioso em saber o que se faz de haicai aqui em São Paulo, já que no Rio não existe nada de organizado nesse sentido".

Com todos os lugares já tomados, Bruno Assami, apresentador do evento, abriu o 5o Encontro de HaiKai fazendo uma rápida síntese dos anteriores e explicando as regras do concurso. O corpo de jurados era composto por Luiz Carlos Lisboa, convidado de honra, crítico literário e ensaísta; Francisco Handa, pesquisador de cultura japonesa e haicaísta; Alice Ruiz, publicitária e poeta; Monsenhor Primo Vieira, presidente da mesa e haicaísta; Roberto Saito, professor e estudioso do haicai; e Delores Pires, haicaísta.

Depois de apresentados os integrantes da mesa, Francisco Handa proferiu uma palestra cujo tema era a "Internacionalização do Haicai - A Busca de um Estilo". Segundo ele, o haicai vem se popularizando pelo mundo, sendo praticado principalmente nos Estados Unidos, Europa, norte da África, Brasil, Colômbia e em algumas partes do México. Existe, inclusive, um Concurso Internacional de Hai-Kai, promovido no Japão, e que admite poemas escritos em diversas línguas, embora ainda não inclua o português. "O haicai, mesmo assimilando as características e peculiaridades de cada povo e nação que o cria, deve seguir pelo menos uma regra básica: o terceto. Apesar disso, não é necessário copiar o haicai, pois ele não é conceitual, mas sim imagístico e metafórico", disse Handa.

Lembrando o início desse gênero poético no Japão, quando era composto como um exercício coletivo, Handa disse que o "haicai é um poema de compromisso, uma vez que seu valor é compartilhado por todos que o lêem. É necessário vencer a preocupação de teorizar o haicai".

Concluída a palestra, foram anunciados os temas do concurso: Crepúsculo e Grilo. O tempo para a composição era de 20 minutos e cada participante só poderia apresentar um trabalho. Enquanto os interessados escreviam seus poemas, o músico Alberto Marsicano fazia solos de cítara, instalando uma atmosfera propícia à criação. Uma vez entregues os trabalhos e enquanto a comissão julgadora os avaliava, o monge budista e haicaísta Gustavo Corrêa Pinto fez uma palestra com o tema "As Relações entre o Haicai e o Budismo". Segundo ele, as duas correntes no Budismo que mais se aproximam do espírito do haicai são a da Terra Pura (Jodo Shin-Shu), representada na poesia japonesa por Kobayashi Issa, e o zen-budismo, cujo maior haicaísta foi Matsuo Bashô.

"Há um dito zen que diz: 'O dedo serve para apontar a lua.' Nessa frase também subentende-se que o tolo olhará para o dedo, enquanto que o sábio se ligará na lua. Ora, assim como o zen, o haicai indica sem dizer diretamente o quê", disse Corrêa. Depois de recitar um haicai de Bashô em japonês, ele refletiu: "O que vem depois das dezessete sílabas do haicai? Vem um silêncio qualitativo que deixa uma semente que germina, pouco a pouco, uma experiência humana universal, que todo e qualquer povo poderá descobrir por si mesmo. Daí o porquê de sua internacionalização. No budismo, por exemplo, existem textos, mas nenhum deles pode transmitir sua essência. Mas, então, por que textos?"

Nesse ponto, convergindo com o que Handa falara em sua palestra, Corrêa disse: "O haicai é uma poesia para além das palavras, mas que as usa para indicar algo, esse mesmo além, que é o que vai frutificar depois no coração de cada um."

O monge falou ainda da síntese que é necessária para se compor um haicai: "Na verdade, 17 sílabas ou 10 mil, tanto faz. Todo espaço é um limite. A liberdade é a capacidade de viver e se expressar no espaço que se tem. O haicai não deve ser feito com a cabeça, intelectualmente. A luz que o acende é a experiência vivida, a gratidão por se estar vivo. Certa ocasião, o poeta japonês Issa, ao perder seu filho, escreveu: 'O mundo não é mais do que uma gota de orvalho.' O orvalho que se deposita sobre a relva pela madrugada, e que o sol, ao amanhecer, faz desaparecer, também irradia em todo o seu esplendor, no instante de secar, este mesmo sol", disse Corrêa.

Com o término da palestra e da avaliação dos trabalhos dos candidatos, iniciou-se a premiação. Todos os dez primeiros colocados receberam livros de poesia e cultura japonesa doados pela Fundação Japão, além de uma assinatura anual da revista Portal. Os três primeiros colocados, além disso, receberam troféus.

O primeiro colocado, Paulo Franchetti, é mais um leitor de poesia do que um praticante. Depois de estudar japonês por três anos, resolveu, junto com mais dois amigos, fazer traduções de haicai por puro deleite. "Li cerca de 3 mil haicais, que eu mesmo e mais dois amigos traduzimos, mas, escrever mesmo, esse foi o meu quarto haicai", disse, surpreso por haver vencido o concurso.

Monsenhor Primo Vieira, presidente da mesa, fazendo uma apreciação geral, disse que "de todos os encontros de haicai esse foi o mais organizado, em que as premiações foram mais justas". Também contente por haver participado do 5o Encontro e, principalmente, por ter observado um grande interesse do público pela cultura oriental, o ensaísta Luiz Carlos Lisboa, crítico do Jornal da Tarde, disse que o "evento é muito importante porque o haicai, com toda sua capacidade de síntese, mostra o desperdício de palavras e o excesso de verbalização do Ocidente."

Márcio Araújo



Encontro Brasileiro de Haicai

12 de junho de 2004

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