X-Authentication-Warning: obelix.unicamp.br: petidomo set sender to haikai-l-owner@unicamp.br using -f Date: Fri, 20 Nov 1998 23:43:55 -0200 To: HAIKAI-L From: KakiNet Subject: [HAIKAI-L] Re: história da lista Reply-To: haikai-l@unicamp.br Sender: haikai-l-owner@unicamp.br Amigos da haikai-l: Continuando com nossa serie "O Tunel do Tempo", em fasciculos aproximadamente quinzenais, reproduzo um artigo sobre Zen e Haicai, postado pelo Professor Paulo Franchetti. Alguma edicao foi necessaria, pois 'a epoca a Lista nao aceitava acentos, e os textos inadvertidamente acentuados eram truncados. O resto da mensagem e' longo e advirto aos que nao tem muito tempo que parem por aqui. Um abraco. ******************************************************** >Date: Mon, 1 Jul 1996 23:12:04 -0300 >Sender: haikai-l@cesar.unicamp.br >From: PAULO FRANCHETTI >Subject: meu palpite sobre a questao do zen e do haikai > >Prezados colegas da haikai-l: > > ha' algumas semanas, o Edson postou aqui um >comentario sobre o zen no haikai, ou melhor, sobre o >zen na critica e no entendimento ocidentais do haikai. > Depois, o Gabriel postou um texto que parecia >uma contestacao, meio obliqua, ao Edson. E o assunto >morreu. Por fora da lista, sei que ha' pelo menos mais >uma pessoa que tem algo a dizer sobre o assunto, mas >que nao tem achado tempo de o fazer. > Assim, resolvi por a minha opiniao para girar, >enquanto outros nao se pronunciam. > Pois bem. Acho que eu concordo e nao >concordo com o Edson. Concordo com ele e com o >autor que citou no que diz respeito ao exagero zenista >que assola o haikai fora do Japao. Tudo e' zen, e fala-se >indistintamente de haikai e de zen, ou de ikebana e zen, >porque o que importa e' esse indefinivel e inatingivel >zen. Vi uma vez, em Sao Paulo, um conferencista que, >depois de dizer que o zen e' a base indefinivel, passou >a defini-lo nos termos mais bizarros: um mosquito e' o >zen, um beijo e' o zen, o nada e' o zen, isto aqui e' o >zen, a chuva, o sol, a poesia, o sexo, o amor, etc. Sei que >alguns estao pensando que o homem era um iluminado >e eu um boboca que nao pude entender que o meu >proprio umbigo tambem era o zen. Mas a minha reacao >foi de pasmo e depois um incontrolavel ataque de riso >que fez com que tivesse de sair, chorando e com dor de >estomago, para gargalhar do lado de fora. E onde >pensam voces que se deu tal conferencia? Num >Encontro de Haikai, no Centro Cultural Vergueiro, em >Sao Paulo. Era tudo por conta do haikai... > Quero dizer: ja' ouvi tanta bobagem sobre o zen >quanto qualquer outro, e tambem me irrita essa coisa de >meter a palavra em tudo. Nesse sentido, zen e, para os >ouvidos, um termo pior do que dialetica , quero dizer: >usado ainda mais confusa, vaga e indiscriminadamente. >E obviamente tenho de concordar que e' possivel fazer >bons haikais sem nunca ter queimado as pestanas sobre >um texto de divulgacao do que seja o zen . > Tambem, e' claro, fiquei ja' irritado com a >identificacao simplista de zen com imediatismo >espontaneista, ou com o irracionalismo. > Nesse aspecto, achei perfeito quando um >monge da Terra Pura me disse, com um sorriso bastante >ironico, que os homens do zen dizem que o melhor e' >o silencio e que o zen nao se pode definir, ao mesmo >tempo em que escrevem rios de livros para dizer o que >e' e como e' o zen. > > Por outro lado, e' preciso ver tambem que a >palavra zen significa, nas varias linguas do Ocidente, >alguma coisa muito diferente, muito especial. > Para nos, essa palavra tem uma historia cheia >de beleza. De minha parte, quando penso no zen, no >conceito de zen ocidental, penso com respeito, e com >emocao. > Pouco me importa, nesse nivel, o que seja o zen >no Oriente. Isto e, aquele particular ramo do Budismo, >com tais e tais sutras como base e tais e tais patriarcas. >O nosso zen e' outra coisa. e' aquilo que D. T. Suzuki >nos ensinou? E, sem duvida: seu Zen and Japanese >Culture sempre sera' um livro admiravel. E' tambem >aquilo que nos ensinaram todos aqueles chatos >religiosos, como o intragavel Taisen Deshimaru, que fez >tantos proselitos? E', sem duvida. Isso nao se discute. >Entretanto, o que me comove de verdade nao e' >nenhum desses textos, nenhum desses missionarios que >vieram do Oriente para nos fazer ver o verdadeiro >zen. O que me comove e' o zen que foi refabricado no >Ocidente, a partir das nossas necessidades e do nosso >esforco de conquistar uma alteridade que nos conviesse. >Estou falando, agora, de gente como Allan Watts, R. H. >Blyth, E. Herrigel e tantos outros. O zen que conta para >nos e' o de Herrigel. Seu relato do aprendizado da arte >do arco e flecha e' uma maravilha. E' o de Watts, esse >genio brilhante que era tambem um tanto charlatao e >um escritor de primeira linha. Seus textos sobre o zen, >bem como a sua biografia, ajudaram a moldar aquilo >que depois chamamos de orientalizacao da >contracultura. E e' o de Blyth, que nos abriu os olhos >para uma coisa que ele chamou de zen, mas que poderia >ter chamado de qualquer outra coisa, pois a reconhecia >tanto em Wordsworth quanto em Basho; em Issa e em >Shakespeare. Sua interpretacao de haikais e' `as vezes >desfocada? E , ao que dizem. Mas isso nao tem >importancia real: em regra, seu comentario ilumina o >verso que comenta e ilumina muito mais que ele: mostra >a atitude que esta' na sua origem, defende um jeito de >estar no mundo e de fazer e ler a poesia em geral. > Blyth, Watts e Herrigel chamaram de zen >aquilo que encontraram ou julgaram encontrar no >Oriente e que quiseram trazer para o nosso mundo. >Eram educadores, reformadores. Nesse caso, a verdade >do que foi o seu zen e' garantida pela sua obra, pelo >destino que tiveram os seus livros. Depois deles, o zen >passou a fazer parte da nossa cultura, e' o nosso zen . > Aos eruditos academicos, esses homens causam >um esgar de desprezo. Mas quem aguenta os scholars >budistas? Quem quiser tentar, assine a lista Buddha-L >ou a Buddhism: ambas sao de uma chatice, um >pedantismo e um profissionalismo de matar. Fala-se >ali de Budismo como se se falasse do calculo de >resistencia de materiais. Isto e, academicamente, >embalsamadamente. Para eles, e' vital saber qual era o >termo exato que compareceu na terceira traducao para >o chines de um dado texto sanscrito. E isso e' realmente >louvavel, enquanto metodo e ciencia academica. Mas o >que aqueles senhores tem a dizer sobre o Budismo ou >sobre o zen e muito pouco e quase sempre de uma >perspectiva que faz com que o seu assunto nao interesse >a quase mais ninguem... O zen que se mexe e que leva >as pessoas a mudarem formas de ver ou de se >comportar, por menores que possam ser essas >mudancas, e' o zen de Watts, de Blyth e de Herrigel. >E' o que vem revestido daquilo que talvez nem seja >muito zen : a paixao. > Desse ponto de vista, portanto, discordo do >tom que vem no texto transcrito pelo Edson. O haikai, >para muitos, e' um exercicio de zen . Desse zen >ocidental, meio tingido de beatnik, meio lavado de >exotismo, certamente contestador, libertador, cheirando >a anos 50. Que seja! Desde que se faca boa poesia. > Por outro lado, e' verdade que a maior parte >dos japoneses que pratica o haiku esta' pouco >preocupada com o zen. No Brasil, entao, talvez nao haja >um so' issei ou nissei que faca haiku e se confesse um >adepto do zen. > Compreende-se, entao, o espanto com que >recebem a nossa pergunta fatal sobre o zen... >Compreende-se mesmo que possam revoltar-se com a >insistencia na ignorancia. > Mas o que normalmente um ocidental quer >dizer, quando fala em zen e nao e apenas mais uma >vitima das modas culturais, e' muito menos e muito >mais do que um japones ou chines usualmente entende >pela palavra. E' muito menos porque e' uma palavra >vaga, sem precisao historica nem filosofica nem >filologica. E e' muito mais porque por ela se designa >quase sempre uma grande parte do que aprendemos a >reconhecer como o que e' especifico, do ponto de vista >cultural, do Extremo-Oriente. Uma comparacao >grosseira: um viajante de outro planeta (a comparacao >tem de ser essa, porque desde o seculo passado o >Ocidente e' onipresente em nosso mundo) poderia >chegar a identificar como a base da ocidentalidade o >pietismo cristao. Convencido disso, poderia, por >exemplo, dizer que a poesia de um sujeito >confessadamente ateu era crista, porque nela >reconheceria tracos culturais que provem do universo >que identificou como cristao. Estaria errado? Nao acho. >Eu mesmo, ora meio ateu, ora meio vagamente budista, >ora coisa nenhuma claramente identificavel, sei que >nunca deixarei de ser cultural e psicologicamente >cristao... > > Este meu posting chega aqui, de subito e sem >conclusao, ao seu final. Desculpem la' se falei de >um modo quase compulsivo. So' queria, na verdade, >complicar um pouco a discussao... > > > > ******************************************************* ---------------- Edson Kenji Iura http://www.kakinet.com mailto:kakinet@mandic.com.br ---------------------