X-Authentication-Warning: obelix.unicamp.br: petidomo set sender to haikai-l-owner@unicamp.br using -f Date: Tue, 08 Dec 1998 00:47:36 -0200 To: haikai-l@obelix.unicamp.br From: KakiNet Subject: [HAIKAI-L] Re: história da lista Reply-To: haikai-l@unicamp.br Sender: haikai-l-owner@unicamp.br Amigos da haikai-l: Continuando com nossa serie "Recordar e' Viver", em fasciculos aproximadamente quinzenais, reproduzo um artigo sobre a Metafora no Haicai, postado pelo Professor Paulo Franchetti. *************************************** >Date: Mon, 12 Aug 1996 20:10:38 -0300 >From: PAULO FRANCHETTI >Subject: o carteiro, o poeta e o haikai (texto longo) >To: haikai-l@cesar.unicamp.br > >Ha' poucos dias, Edson postou um texto sobre a metafora. >Tinha como subject, eu acho, O carteiro e o poeta . >Ao que me lembre, sO' o Feitosa respondeu, num manifesto >de liberdade poetica. Muito bem. Como ninguem mais >tratou do tema, que e' espinhoso, achei que devia voltar a >ele. Pelo menos para levantar a poeira... >-------------------------------------------------------------------- > > > Pois bem, Edson, e' verdade que naquele filme >poesia ficou como sinonimo de metafora. E isso parecia >bem, porque a poesia de Neruda e' mesmo eminentemente >metaforica. Basta abrir um livro dele ao acaso para perceber >que a sua poesia tem uma base metaforica muito forte. Esta >Ode a la cebolla, por exemplo: > >Cebolla, >luminosa redoma, >petalo a petalo >se formo tu hermosura, >escamas de cristal se acrescentaron >y en el secreto de la tierra oscura >se redondeo tu vientre de rocio. >Bajo la tierra >fue el milagro >y cuando aparecio >tu torpe talo verde, >y nacieron >tus hojas como espadas > en el huerto, >la tierra acumulo su poderio >mostrando tu desnuda transparencia, >y como en Afrodita el mar remoto >duplico la magnolia >levantado sus senos, >la tierra >asi , te hizo, >cebolla, >clara como un planeta >y destinada >a relucir, >constelacion constante, >redonda rosa de agua, >sobre >la mesa >de las pobres gentes. >(...) > > Aqui o registro e' basicamente metaforico. Quero >dizer: o poema se organiza a partir das semelhancas entre as >coisas: no geral, sao metaforas. Mas tambem temos ai' uma >figura muito proxima da metafora, que e' a comparacao. >Quando o poeta diz que a cebola e' uma redoma luminosa, >temos uma metafora, no sentido proprio. Quando diz que as >folhas nasceram como espadas no quintal, uma comparacao. >Mas e' facil ver que a forma da percepcao e' a mesma: isto >e' igual `aquilo, ou isto e' como aquilo. Ha' nesse poema >algumas metaforas belissimas: redonda rosa de agua, >constelacao constante, escamas de cristal, ventre de orvalho. >A comparacao com Afrodite e' tambem excelente e anuncia >a dimensao cosmica que a cebola vai adquirir logo depois, >para por fim aportar na mesa das pessoas pobres. Lembra, >alias, aquele poema de Bandeira sobre a maca num quarto >pobre de hotel. > Mas as questoes que voce apresentava eram duas: >toda poesia e' metaforica? o haikai nao pode ser >metaforico? E, subentendida, havia uma terceira, >dependendo das respostas: o haikai e' poesia? > Bom, a primeira e' a mais facil de responder. E a >resposta e' um redondo nao. Alguma poesia e. Mas este >poema, do proprio Neruda, e' intenso e muito diferente da >Ode `a cebola, porque nao se faz sobre metaforas: > > >El Culpable > >Me declaro culpable de no haber >hecho, con estas manos que me dieron, >una escoba. > >Por que' no hice una escoba? > >Por que' me dieron manos? > >Para que' me sirvieron >si solo vi el rumor de cereal, >si solo tuve oidos para el viento >y no recogi el hilo >de la escoba, >verde aun en la tierra, >y no puse a secar los talos tiernos >y no los pude unir >en un haz aureo >y no junte' una cana de madera >a la falda amarilla >hasta dar una escoba a los caminos? > >Asi' fue : >no se' como >se me pasO' la vida >sin aprender, sin ver, >sin recoger y unir >los elementos. > >En esta hora no niego >que tuve tiempo, >tiempo, >pero no tuve manos, >y asi, como podia >aspirar con razon a la grandeza >si nunca fui capaz >de hacer >una escoba, >una sola, >una? > > Aqui, e' minima a estrutura metaforica. O que >temos e, isso sim, a construcao de uma situacao simbolica, >muito claramente analisavel e inteligivel. > > A segunda questao: o haikai e' metaforico? >Tambem aqui a resposta e' nao, ate' onde posso ver. Na >verdade, a tentativa de ler o haikai de modo metaforico foi >uma das nossas tentativas de entende-lo, de traze-lo para o >nosso universo de leitura. > > >O velho tanque - >Uma ra mergulha. >Barulho de agua. > > Ler isto num registro metaforico sO' empobrece o >texto. Num registro simbolico ou alegorico, tambem. > E porque? Bom, isso e' sempre o mais dificil... >responder porque... > Mas como este espaco pretende ser um lugar de >debate, de livre curso das intuicoes, e nao um estrado >academico, vamos la . Acho que o haikai nao e' metaforico >porque e' muito objetivo, muito preso `a sensacao e `a >notacao direta de uma percepcao. Entretanto, ha' uma >componente metaforica na concepcao do haikai. Quando >dizemos: vento de outono, ou: libelula, ou: flores caidas - >nao temos um traco metaforico (que na verdade deve ser >evitado, mas que permanece como uma forma de acorde, de >harmonico do que o haikai diz)? Quero dizer, quando um >poeta diz: > >em solidao, >como a minha comida - >e sopra o vento de outono > > o vento de outono nao e' uma especie de metafora >da velhice, ou um simbolo dela? E quando outro poeta >escreve: > >a lua cheia >gentilmente ilumina >o ladrao de flores > > essa lua cheia nao e' uma especie de simbolo da >justica divina, ou da indiferenca da natureza face aos valores >humanos? Finalmente, a lua nao e' ai' personificada, o que >tambem e' uma manifestacao metaforica? > > Na arte sutil do haikai, entretanto, tanto os >simbolos quanto as metaforas ficam em surdina. O haikai >nao e' bom (dizem-nos os comentarios japoneses, quando >bem lidos) porque tem um conteudo simbolico bem >realizado. Pelo contrario. Um haikai e' bom apesar do >conteudo simbolico e metaforico. e' bom quando esse >conteudo fica em surdina e pode ser absorvido inteiramente >por uma leitura objetiva. Por isso, justamente o poeta que >mais nos parece familiar, K. Issa, `as vezes parece >sentimental para alguns comentadores: porque em seus >poemas, como o ultimo que transcrevi, `as vezes e' dificil >manter a pura leitura objetiva. Ja' no caso daquele haikai >anterior, e' possivel: o sujeito esta' solitario e esta' ventando >frio, o que aumenta a sensacao de solidao. Os harmonicos > velhice , proximidade da morte , morte das pessoas da sua >idade nao sao necessarios para o entendimento literal. Sao >acrescimos... > > > Finalmente, o haikai e' poesia? Bom, o nosso, o >ocidental, e. O outro, quando lido por nos, tambem e. >Quero dizer: nao temos outra forma de ler, senao as que a >nossa tradicao nos deu e que, mesmo modificada por nos, >continua orientando a nossa visao. Para os japoneses do >seculo XVII era poesia? Esta' ai' uma pergunta que nao faz >muito sentido, se nao for bem explicada: o nosso conceito de >poesia, hoje, foi feito incluindo tambem o proprio haikai... >E inclui conceitos que, certamente, nunca fizeram parte da >cultura japonesa... Portanto, e' muito dificil dizer... > > Bom, chega de falar... Quem continua? > > > ************************************************************ Um abraco. ---------------- Edson Kenji Iura http://www.kakinet.com mailto:kakinet@mandic.com.br ---------------------