X-From_: haikai-l-owner@unicamp.br Sun Jan 31 23:02:59 1999 Return-Path: X-Authentication-Warning: obelix.unicamp.br: petidomo set sender to haikai-l-owner@unicamp.br using -f Date: Sun, 31 Jan 1999 22:59:04 -0200 To: HAIKAI-L From: KakiNet Subject: [HAIKAI-L] Re: história da lista Reply-To: haikai-l@unicamp.br Sender: haikai-l-owner@unicamp.br Amigos da haikai-l: Prosseguindo com nossa serie "Historia da Lista" em fasciculos aproximadamente quinzenais, desta vez apresento um artigo do Professor Paulo Franchetti sobre metrica no haicai. ---------------------------------------------------- >At 23:53 16/02/97 -0300, you wrote: > >Date: Sun, 16 Feb 1997 23:53:35 -0300 >Sender: haikai-l@cesar.unicamp.br >From: Paulo Franchetti - IEL/Unicamp >Subject: Metrica em haikai > >Prezados Amigos da Haikai-L: > >De vez em quando, volta `a tona a questao da metrica na poesia >de haikai escrita em portugues. Assim, pensei que valeria talvez >a pena discutir mais um pouco esse assunto, ja' que ha' varios >assinantes novos da lista.. > >O haikai escrito em portugues e, como todos sabem, uma >adaptacao de uma forma japonesa: o haiku. > >Haiku e' um termo recente, do final do seculo passado, criado >por Masaoka Shiki: vem da fusao de duas palavras HAIkai e >hokKU. Haikai e' um termo adjetivo, que qualifica um tipo de >renga. Hokku significa aproximadamente \primeira estrofe\. >Haiku, portanto, designa uma estrofe composta nos moldes da >primeira estrofe de um haikai-renga. > >Disse acima que hokku significa \aproximadamente\ primeira >estrofe, porque a palavra estrofe tem muitos determinantes que >nem sempre podemos transferir diretamente para um segmento >de poema japones. Ja' aqui comecam os problemas: tanto >podemos compreender o hokku como uma estrofe, quanto >compreende-lo como um verso. Se pensamos que e' uma >estrofe, entao diremos que e' dividido em tres versos de medida >diferente: 5/7/5. Se pensamos que e' um verso, entao diremos >que possui uma cesura na unidade 5, e outra na 12. e' possivel >compreender de ambas as formas o hokku e os demais >segmentos de um renga. Espacialmente, como sabem, um >hokku ou haiku vem distribuido de acordo com as >conveniencias da composicao plastica, sendo disposicao comum >a que o apresenta em uma sO' linha. > >Mas o problema que nos interessa diz respeito `as unidades que >identificamos, quando dizermos que o hokku tem uma forma 5- >7-5. >5-7-5 o que? A resposta que talvez pareca logica e' a resposta >errada: silabas. De fato, nao se trata de silabas, mas de >duracoes. `as vezes, a silaba e a duracao coincidem; `as vezes, >nao. Exemplos: Basho^ vale, em verso, tres unidades, porque o >\o\ final e' longo. Hon, que quer dizer livro, vale duas unidades, >porque uma silaba nasal e' longa. Nippon conta quatro >unidades (na transcricao, a consoante dobrada indica que a >silaba antecedente e' longa, e o n final indica a nasalacao). >Portanto: a rigor e' errado dizer que um haiku e' um poema >composto de 3 versos, dos quais o primeiro e o terceiro tem 5 >silabas e o do meio 7 silabas. > >Como na tradicao portuguesa nao temos outro sistema que nao >o silabico-acentual, quando se tratou de adaptar o haiku `a >nossa lingua, decidiu-se por verte-lo na forma 5-7-5 silabas- >POeTICAS. (Nem todos, diga-se: Wenceslau de Moraes, o >maior japonista portugues de todos os tempos, verteu os haiku >em forma de quadra tradicional) Ora, uma silaba poetica nao >tem nada a ver com uma silaba gramatical, como sabemos, e a >sua contagem, menos ainda. Os seguintes versos de Bandeira, >por exemplo, tem 12 silabas poeticas, que se dividem assim: > >As/ es/tre/las/ tre/mem/ no ar/ fri/o,/ no/ ceu/ fri/o... >E/ no ar/ fri/o/ pin/ga,/ le/vis/si/ma, a or/va/lha/da, >Nem/ mais/ um/ rui/do/ cor/ta o/ si/len/cio/ da es/tra/da, >Se/nao/ na/ ri/ban/cei/ra um/ va/go/ mur/mu/rio. > >e' facil ver que o principio e' mais ou menos fonetico: contam- >se, de modo geral, as silabas que se pronunciam. Mas nao se >contam as que vem depois da ultima tonica. A duracao nao e' >levada em conta, claro: o /o/ atono final de frio vale o mesmo, >metricamente, que uma silaba que tem encontro consonantal ou >um ditongo forcado, como em /rui-do/. Nem vale a pena entrar >aqui em maiores analises, mas queria dizer apenas que a propria >disposicao em versos cria uma dinamica de pausas que e' >estranha ao verso japones, que quebra as sequencias por meio >de termos que mudam a entonacao e promovem pausas >sintaticas -- as chamadas palavras-de-corte [kireji]. > >Constatamos assim o obvio: nao ha' nada em comum entre o >sistema metrico japones e o portugues. Nao havendo, porque a >questao da metrica tem tanta importancia em haikai? Porque o >haikai foi trazido para a nossa pratica como forma exotica, mais >ou menos como o pantum malaio, que chegou a ser prova de >virtuosismo no nosso parnasianismo. > >Assim sendo, nao creio que devamos qualquer fidelidade a essa >convencao totalmente arbitraria de dividir o haikai em 3 versos >de 5-7-5 silabas poeticas portuguesas. > >Muito menos devemos qualquer fidelidade `a forma inventada >por Guilherme de Almeida, que introduziu duas rimas no >terceto e lhe deu um titulo... > >O que e' importante, na apropriacao ocidental da forma >japonesa, nao e' a metrica, que foi simplesmente mal >compreendida e mal traduzida. O importante, do meu ponto de >vista, e' a forma interna do discurso, como ja' disse em outros >textos aqui postados e que nao acho valer a pena repetir. > >Ja' quanto `a ideia de que haja uma formula para a organizacao >do conteudo do haikai, nos termos da que foi atribuida `a Alice >Ruiz na entrevista do Estadao, ha' tambem o que dizer. A ideia >de que o haiku apresente uma situacao, depois um evento que >interfira nessa situacao primeira e finalmente a resultante entre >o choque do estavel e do transitorio e, se entendo bem, >resultado de ma' leitura dos tratados dos discipulos de Basho. >Numa dada passagem, Toho (se nao me engano) refere-se `a >arte de Basho como a arte que procede dos /fundamentos/, >distinguindo-a de outro tipo de verso, que paga tributo >excessivo ao gosto do tempo, `a moda do momento. Na >sequencia, Toho vai tratar das formas de apreender, no verso, >o que e' eterno e o que e' transitorio. Mas dai' `a pretensa >divisao ternaria do haiku em tese/antitese/sintese, ou em >estabilidade/ transitoriedade/ resultado do choque de ambos vai >um grande abismo, em que parece ter caido ate' mesmo >Octavio Paz, que parece ter sido quem inaugurou essa forma de >compreender o haiku, num ensaio de resto excelente, incluido >em Signos em Rotacao. Na verdade, a ordenacao mais comum >da maior parte dos haiku nao e' essa. e, pelo contrario, binaria: >lendo em japones percebemos que, na maior parte das vezes, >um haiku traz apenas uma palavra de corte e as duas partes >resultantes se resolvem sintaticamente em duas sentencas. > >O que o haiku tem a oferecer para nos, ocidentais que o >praticamos, e, penso eu, uma forma de trabalhar com as >palavras que e' muito especifica, que e' diferente do que >chamamos de poesia. O haikai e' tambem uma pratica coletiva, >uma pratica dirigida, que se processa a partir de orientacoes >gerais bastante claras e que, por isso, pode ser aprendida. Para >muitos, e' tambem um caminho de vida, um jeito de ser e estar >no mundo. > >Nada ganhamos portanto, se nos esforcarmos para manter uma >coisa que e' banal e nada significa: a forma 5-7-5. Tambem, >quando o haikai e' bem feito, nada perdemos em observa-la, >por respeito a uma tradicao que, embora risivel em muitos >aspectos, e' afinal uma tradicao. Mas nao vale a pena, estou >convencido disso, ficar preocupado com a forma metrica do >haikai. e' certo que, mesmo em japones, o haiku e' uma forma >breve -- e a brevidade extrema tem importancia para a >ordenacao e apresentacao do discurso. e' tambem certo que os >kireji ocorrem normalmente na 5 ou na 12 posicao. Portanto: >ha, de fato, uma organizacao do haiku em tres segmentos >virtuais de 5-7-5 unidades que talvez valha a pena observar -- >a ordenacao em tres segmentos, digo --, porque contribui para >a ordenacao e apresentacao do discurso. Quando ao numero de >silabas, se tivessemos de adotar alguma convencao, parece-me >boa, por exemplo, a que o Edson adota para os haikais >submetidos `a sua pagina (Caqui on line): mais ou menos 17 >silabas. Assim, evita-se um derramamento que seria prejudicial >`a concisao do haikai. Mas ainda acho que o numero de silabas >nao tem qualquer importancia real. > >Era isso, meus caros. Aguardo os comentarios e discussoes. > >Paulo Franchetti > > > --------------------------------- Um abraco. ---------------- Edson Kenji Iura http://www.kakinet.com mailto:kakinet@mandic.com.br ---------------------