X-From_: haikai-l-owner@unicamp.br Sat Apr 10 20:38:36 1999 Return-Path: X-Authentication-Warning: obelix.unicamp.br: petidomo set sender to haikai-l-owner@unicamp.br using -f Date: Sat, 10 Apr 1999 20:37:12 -0300 To: HAIKAI-L From: KakiNet Subject: [HAIKAI-L] Re: história da lista Reply-To: haikai-l@unicamp.br Sender: haikai-l-owner@unicamp.br Amigos da haikai-l: Prosseguindo com nossa serie "Historia da Lista", momentaneamente interrompida, desta vez apresento uma discussao sobre brevidade e concisao em poesia, um tema muito pertinente ao haicai. ---------------------------------------------------------- Inicialmente, uma questao levantada pelo Capitao Douglas: >From: "Douglas Eden Brotto" >To: >Subject: brevidade e concisaoh >Date: Wed, 15 Oct 1997 14:04:44 -0300 > >Professor Franchetti > Boa Tarde !!! > > Carlos Felipe Moisehs assinou um artigo no Suplemento Cultura , > do Estadaoh de 16/8/97 , sobre o livro do Verssosa , "Oku-- Viajan- > do com Bashoh" , finalizando com comentarios sobre o haicai e a > poesia em geral . Cito : > > "...o haicai eh uma composissaoh breve, atributo mensuravel... ( e ) > isso parece bastar, como se a curta extensaoh do poema fosse ga- > rantia de concisaoh...--- atributo...( este ) naoh...mensuravel . > A brevidade diz respeito ao material , aas silabas de que se com- > poeh o poema em sua aparencia fisica ; jah a concisaoh tem a ver > com a materia mental que o constitui : pensamento , sentimento , > emossaoh . Aa brevidade opoeh-se , como eh ohbvio ,a longa exten- > saoh , o numero maior de silabas e versos ; aa concisaoh opoeh-se > a prolixidade, ...que consiste em dizer com muitas palavras o que po- > deria ser dito com menos... " > > Conclue dizendo que hah haicais breves, mas prolixos , e isso dah >para entender , mas aih ele acrescenta o inverso : > > "... a tradissaoh poetica ocidental eh rica em exemplos de poemas nada > breves , mas extremamente concisos : The Waste Land ( Eliot ) , Le > Cimitieere Marin ( Valery ) e a Ode Marihtma ( Pessoa ) e outros ." > > Conhesso um pouco da Ode Marihtma , pouquissimo do Cimitieere > e soh a capa da Waste Land , que minha falsa cultura chegou a imagi- > nar como elegia aas fronteiras abertas da expansaoh norte-americana, > e que descobri depois significar "A Terra Devastada", e trata da deca- >dencia material e moral da Europa do pohs-guerra . > > Pergunto se , em sua opiniaoh , esses volumosos livros poehticos po- > dem ser classificados como "concisos" , como o saoh , realmente , a > Divina Comehdia e o Don Quixote , ainda que obras em prosa . > > Gratto pela atenssaoh em nos ouvir , e nos esclarecer . > douglas eden > > Eis a resposta do Professor Paulo Franchetti: >Date: Sun, 19 Oct 1997 22:08:45 -0200 >From: Paulo Franchetti >To: haikai-l@unicamp.br >Subject: Re: brevidade e concisaoh > >A questão que você apresenta é: o que é um poema conciso? A Divina >Comédia pode ser considerada um poema conciso, com os seus três cânticos >em que se organiza a centena de cantos? E a Ode Marítima? >Bom, concisão é um conceito relativo. Há uma concisão que é a da fórmula >matemática. Se eu digo: a velocidade de um corpo é igual ao espaço por >ele percorrido, dividido pelo tempo que ele levou a percorrê-lo -- tenho >uma frase concisa, pois dificilmente poderia dizer a mesma coisa com >menos palavras. Concisão, portanto, significa "maneira econômica de >dizer alguma coisa". Quanto mais econômico, mais conciso. Mas no caso da >fórmula matemática, eu sei o que quero dizer: quero tranformar em >linguagem natural a fórmula algébrica v = e/t. É, então, muito fácil >avaliar os enunciados e ver qual é o mais conciso sem trair a fórmula. >Mas quando o objeto do julgamento da concisão é um poema, tudo fica mais >difícil: como sei o que o poeta queria dizer? Só sei o que ele disse. Se >eu o disser de outra forma, não estarei mais dizendo a mesma coisa, não >é verdade? >Não posso, então, falar de concisão nos mesmos termos da fórmula >matemática. >Concisão, da forma como a palavra foi usada pelo Prof. Moisés, parece >designar então outra coisa: a qualidade de um texto em que nada que está >nele carece de função. Ou seja, é um conceito oposto a prolixidade. Um >texto prolixo é o que tem palavras sobrando, palavras que não contribuem >para a expressividade do texto, que não acrescentam nada ao que outras >palavras já disseram no mesmo texto. Um texto conciso é aquele em que >todas as palavras têm uma dada função, em que todas contribuem para >acrescentar algo diferente ao que já foi dito no mesmo texto. >É claro que é um conceito confuso, pois a simples repetição de palavras >pode ser entendida como parte essencial do sentido do texto. Assim, >quando Gertrud Stein escrevia "uma rosa é uma rosa é uma rosa", tínhamos >tautologia, repetição da mesma coisa, mas dificilmente alguém diria que >tínhamos aí prolixidade ou palavras supérfluas. E mesmo que dissesse, >isso não significaria que o texto é defeituoso ou ruim, pois é evidente >que a tautologia é buscada intencionalmente. >Então: só podemos imaginar que um texto é prolixo se pensamos que >sabemos qual o efeito desejado e que poderíamos obter o mesmo efeito com >menos elementos, o que me parece difícil, principalmente quando tratamos >de textos distantes no tempo ou no espaço. >Prolixidade e concisão são conceitos relativamente modernos, e só muito >recentemente passaram a ser conceitos valorativos. Eu prefiro não >utilizá-los em relação a obras de arte, porque me parecem muito pouco >operacionais, vagos e anacrônicos. Como juízos de valor, então, não >parecem ter, o mais das vezes, muita pertinência. > >Quanto ao haikai, acho que a questão é a seguinte: haikai não é síntese. >Síntese é um conceito como concisão: se você não sabe o que era a >análise, como poderá avaliar o grau da síntese? Haikai não é >condensação, não é a arte de enfiar o máximo de coisas em apenas >dezessete sílabas. Isto é: a questão do haikai não é dizer o máximo com >o mínimo; é, sim, a de dizer, dentro das suas dezessete sílabas apenas o >suficiente para que se produza o efeito desejado. A qualidade maior do >haikai, assim, é a modéstia expressiva: a busca do suficiente e não a >condensação do máximo no mínimo. > >Não sei se fui claro, ou apenas prolixo... :-) >Um grande abraço, >Paulo > > E por ultimo, um corolario, por nosso ha' tempos ausente Zemaria Pinto: >Date: Tue, 21 Oct 1997 00:13:33 -0200 >From: Zemaria Pinto >To: haikai-l@unicamp.br >Subject: Re: brevidade e concisaoh > >Prezados Douglas e Franchetti, demais amigos da lista, > >Acompanhei com a devida atencao a "conversa" a respeito do artigo de >Carlos F. Moises. Concordo plenamente com o Professor Franchetti: Moises >ficou na analise superficial ao contrapor concisao aa prolixidade, >quando, me parece, queria contrapor condensacao aa brevidade. Pelo menos >no parágrafo citado: > > "... a tradissaoh poetica ocidental eh rica em exemplos de poemas nada > breves , mas extremamente concisos : The Waste Land ( Eliot ) , Le > Cimitieere Marin ( Valery ) e a Ode Marihtma ( Pessoa ) e outros ." > >Se o Douglas concorda que um haicai, sendo breve e CONCISO, pode ser >prolixo, analisemos o caso inverso: o de poemas pouco breves, como os >citados Ode Maritima, A Terra Desolada e Cemiterio Marinho, que sao, >entretanto, absolutamente condensados. Pra complicar mais um pouco, acho >a Ode de Pessoa, muito pouco concisa, quero dizer, pouco lacônica. >Pessoa delira > >"Penetram-me fisicamente o cais e a sua atmosfera" > >de tal forma, que sua linguagem toma ares de neobarroquismo. Mas quanta >condensacao - como no verso acima, por exemplo! > >Ja' Valery, com sua linguagem contida, de metros decassilahbicos, e' >mais conciso, mais econohmico, e, talvez por isso mesmo, mais obscuro. >Mas nao se lhe pode negar a maestria da condensacao. > >Lasciate ogni speranza, voi ch' entrate - Deixai toda a esperanca, o' >vos que entrais! Este verso sublime, de Dante, dizeh-lo conciso >parece-me tao pouco, tao superficial. Escrito no portao do inferno, ele >condensa em si toda a maldicao que os condenados carregarao por toda a >eternidade. Nao era aa toa que Eliot "sampleava" Dante a 3x4. > >Pound, no ensaio Como Ler, matou a charada: "grande literatura e' >simplesmente linguagem carregada de significado ate' o maximo grau >possivel". Pensando por ai', concluihmos que concisao nem sempre e' >mehrito. Um texto poehtico nao vale apenas pelo que diz com precisao e >economia, mas sim pelas leituras, pelos significados que ele traz >subjacentes. E' um conceito novo, e' verdade, mas que vem sendo >praticado desde sempre, pelos grandes poetas da antiguidade, porque e' a >prohpria essencia da poesia. E isso vale tanto para Safo como para >Homero. Vale para Catulo e Horacio como para Virgilio. > >Voltando à nossa seara, um haicai e' sempre breve, quase sempre conciso. >Dificil e' condensa'-lo nos limites da simplicidade e da objetividade, >descartando os "enfeites" supostamente poehticos, mas transformando em >poesia a matehria cotidiana. Parco de pensamentos originais, valho-me de >mais uma citacao, antes de cair no sono: "a linguagem e' a casa do ser", >disse Heidegger. E' a linguagem que da' vida ao poema, e' o que perdura >alem do autor e alem do tempo. Isso vale para a poesia ehpica e para a >lihrica, para o soneto ou para o haicai. > >Um poema de Camões, so' para ficar no ambito domestico da lingua >portuguesa, e' muito mais apreciahvel agora que ha' 400 anos, porque a >linguagem reinventou-se e tomou significados diversos daqueles >originais. Isso vale para Cervantes, para Shakespeare, para Machado, >para Basho'... Mas, claro, nao e' regra geral. Milhares de autores >razoahveis caihram no esquecimento porque sua linguagem (a casa do Ser) >desabou com o tempo. Algum arqueohlogo literahrio, eventualmente, >podera' desencava'-los do ostracismo, mas... > >Um abraco fraterno a todos > >Zemaria > --------------------------------------------------- Um abraco. ---------------- Edson Kenji Iura http://www.kakinet.com mailto:kakinet@mandic.com.br ---------------------