Caqui Documenta:
Guilherme de Almeida


Prefácio ao livro "Haicais Completos", de Guilherme de Almeida, publicado pela Aliança Cultural Brasil-Japão em 1996

Guilherme de
Almeida e eu

H. Masuda Goga

Em 1952, Guilherme de Almeida assumiu o cargo de presidente da Comissão Executiva do IV Centenário de São Paulo, cujo escritório foi estabelecido no edifício dos Diários Associados, sito à rua Sete de Abril, no centro da cidade.

Como repórter do Jornal Paulista - diário bilíngüe em japonês e português, publicado em São Paulo - queria indagar se a referida comissão aceitaria a doação comemorativa a ser oferecida pela colônia japonesa aos cidadãos da capital bandeirante. Por esse e por outros motivos, avistei-me repetidas vezes com o responsável pela comissão, durante todo o período de preparação das festividades.

Na primeira entrevista, o poeta perguntou-me se apreciara a coletânea Poesia Vária, publicada em 1947. A minha resposta foi positiva. Ele ficou contentíssimo e começou a falar sobre o haicai.

Além da obra acima citada, um trabalho intitulado Os meus haicais já havia sido publicado em O Estado de S.Paulo do dia 28 de fevereiro de 1937. Perguntou-me o que eu achava dos seus haicais. Eu, com bastante coragem, apresentei-lhe algumas opiniões. Gostando de minha atitude sincera e honesta, ele, por sua vez, expôs seus pontos de vista relativos ao haicai, que adorava imensamente.

Sua admiração pela forma concisa de apenas 17 sílabas, ou melhor, 17 sons, era máxima. Após agradável conversação, leu um trecho de Os meus haicais, com gesto algo didático:

- Uns 30 livros de versos escritos e uns 20 publicados levam-me à conclusão calma (que não é uma negação à minha nem um sarcasmo à obra dos outros) de que não há idéia poética, por mais complexa, que despida de roupagens atrapalhantes, lavada de toda excrescência, expurgada de qualquer impureza, não caiba estrita e suficientemente , em última análise, nas 17 sílabas de um haicai.

A seguir, explicou-me um aspecto lingüisticamente semelhante que se observa nas duas línguas (português e japonês), citando como exemplos:

"Leva-me esta carta
Ao meu namorado"

"Nem tudo o que é luz é ouro"

"Tanto dá até que fura"

Guilherme queria mostrar-me que as frases faladas ou escritas em português de cinco ou sete sílabas não faltam no diálogo cotidiano ou na poesia popular, tal qual acontece no idioma nipônico. Por minha parte, fiz explanação sobre os conceitos mais importantes do haiku original, historicamente chamado “hokku”, que exige o termo de estação do ano e dei-lhe o meu parecer sobre o título que se coloca para cada haicai. Entretanto, não toquei no assunto da rima, porque o haicai em língua luso-brasileira soa suave e agradável quando rimado. Apenas informei-lhe que o haiku original ignora a rima propriamente dita. Ele aceitou parcialmente o meu critério; sustentou, porém, o seu próprio ângulo e disse-me que estaria contrariando, até certo ponto, a autoridade de Kyoshi Takahama, grande mestre do haiku e defensor do tradicionalismo. Acho que a atitude de Guilherme resida, talvez, na adaptação do haiku mais livre, a qual evitaria mera imitação do original.

Guilherme mantinha relações de amizade com Kozo Itige (1894-1945), cujo nome haicaístico era Gyosetsu e que era cônsul-geral do Japão em São Paulo, no fim da década de 30. Convidado pelo cônsul-haicaísta, teve oportunidade de assistir a reuniões de haiku, realizadas pelo pessoal ligado ao mestre Keiseki Kimura (1867-1938), que liderava um grupo de “haijin” paulistano.

Quando teve lugar o simpósio sobre cultura japonesa, em comemoração ao 60º aniversário da imigração japonesa para o Brasil, em 18 de junho de 1968, Guilherme foi convidado como um dos palestrantes pelo centro de Estudos Nipo-Brasileiros de São Paulo, organizador do evento, e do qual sou associado. Esperei, até o último momento, a sua presença; mas, por algum motivo, ele não compareceu.

Relembrando-me, agora, daquela troca de idéias sobre o haicai, devo reconhecer o esforço dinâmico do saudoso Príncipe dos Poetas Brasileiros: sem dúvida, ele estimulou o abrasileiramento da mais concisa poesia de origem japonesa.


14 de dezembro de 1997
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de Almeida
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