O Haicai no Brasil
H. Masuda Goga


TRADUÇÃO DO HAIKU



















Nota do Tradutor: - Estas "traduções" dos termos wabi e sabi não passam de aproximações que não exprirnem toda a singularidade e profundidade dessas palavras, produtos puros, digamos assim, da multimilenar cultura japonesa.
Diferente da pintura, o haiku precisa ser traduzido para ser apreciado por quem não conhece o idioma japonês. No entanto, é de opinião generalizada que essa forma poética não pode ser traduzida para o idioma estrangeiro. Mas, se alguém perguntar se a tradução do haiku é impossível por motivos técnicos ou se se trata de uma impossibilidade intrínseca, a resposta seria: existe possibilidade, caso seja feita por um poeta (haicaísta), conhecedor perfeito das duas línguas (original e traduzida). Contudo, é um trabalho muito difícil "superar" as diferenças entre a cultura japonesa e a estrangeira. Não só é quase impossível trasladar os dezessete sons do haiku para dezessete sílabas do português , como são praticamente intraduzíveis os significados de termos como wabi (sentimento de profunda solidão, mistério da solidão) ou sabi (pátina do tempo, mistério da transformação, desolação e beleza da solidão).

Todavia, os tradutores esforçam-se não só para apresentar e divulgar o haiku, como para transmitir a sua característica peculiar (haimi - sabor do haiku) e apresentar uma tradução que tenha valor para ser apreciada como poesia.

Em relação às formas de tradução para o português, existem várias tentativas, tais como:

1. Dividir as dezessete sílabas em versos de três linhas respectivamente de cinco, sete e cinco sílabas;

2. Formas que fogem à dos versos de três linhas;

3. Com ou sem rima, na tradução;

4. Quando a última sílaba de um verso não é acentuada, há tradutores que contam essa sílaba ou aqueles que não o fazem;

5. Casos em que duas vogais seguidas são contadas como uma sílaba e casos em que não são;

"Penso que uma forma poética como o haiku não poderá ser, absolutamente, traduzida para idioma estrangeiro. Pois com algum exagero pode-se dizer que mostra a atitude peculiar dos japoneses em relação à vida e ao mundo" (Obras Completas de Ikutarô Nishida, vol. XIII, Pensamento e Experiência, segunda parte). "São (os haiku) como perfumes concentrados: se pasam de um a outro vaso, evaporam-se em caminho", observa Cláudio Justiniano de Souza (escritor e poeta) em sua obra Impressões do Japão (1940).
6. Para expressar kireji do original recorrem-se a sinais de pontuação ou interjeições;

7. Aqueles que não se preocupam com o número de sílabas. Como se vê, são variadas as formas usadas nas versões de haiku.

Há ainda casos em que, conforme a disposição das letras na tradução, procuram-se efeitos visuais e outros, nos quais, diante da dificuldade de tradução de kireji como ya, kana, os mesmos são reproduzidos sem tradução.

O kireji é o termo que dá cadência ao haiku, o qual ocupa o último lugar (som ou sílaba) num dos versos da estrofe (5-7-5), conforme o poemeto.
A propósito da tradução de haiku para o português, quando faleceu em 30 de junho de 1938, o mestre-pioneiro de haiku tradicional no Brasil, Keiseki Kimura, decidiu-se gravar no seu túmulo a sua composição:

Yo o mamoru inu ni nokoseshi takibi kana

Acontece que por causa do forte nacionalismo então reinante (Estado Novo), a prefeitura municipal não autorizou a inscrição do epitáfio somente em língua japonesa. Era preciso acrescentar uma tradução portuguesa.

Foi preciso recorrer a Jorge Fonseca Júnior, a José Yamashiro e ao autor destas Iinhas, cada qual contribuindo com sua versão portuguesa do haiku. Depois de muitas tentativas, conseguimos fazer a tradução definitiva, ainda em tempo para a inauguração da tumba.

A tradução portuguesa do haiku do mestre Keiseki ficou como segue, e até hoje está a placa de mármore, em tamanho menor, um pouco à frente dc epitáfio original:

Ei-l'aí a fogueira
fica deixada p'ra o cão
que guarda esta noite

Sokoni takibi ga aru
Inu no tame ni nokoshi okareta
Kono yoru o mamoru tokoro no

(Versão japonesa de Masuda, ao pé da letra)

No recinto do Pavilhão Japonês do Parque Ibirapuera, em São Paulo, existe a gravação em pedra do haiku do mestre Nenpuku Sato:

Kaminari ya yomo no jukai no kogaminari

Um trovão estronda -
e os trovõezinhos ecoam
na selva em redor.

(Tradução por Masuda)

E ainda dois ou três outros haiku em epitáfios de pedra, em localidades do interior, apresentam traduções.







Os tradutores são: membros da Kôjin-kai (sete haiku), Goga Masuda (seis), Gyudoshi Sato (cinco), Nangin Haiku-kai (três), Shinzan Saito (três), Aspargas Ginsha (dois) e Atsuro Ogata (dois). Na edição de fevereiro de 1961, a revista Kokage publica, com o título de "Intercâmbio de Traduções de Haiku, tradução portuguesa de haiku por Pedro Xisto e versão japonesa de haicais de Xisto por Goga Masuda e Hitomi Hoshino.
Outrossim, em números da revista Hototogisu, publicados depois da viagem de Kyoshi Takahama à Europa em 1936, foi criada uma seção chamada "Haiku do Exterior", sendo divulgadas traduções para o inglês, francês e alemão. Sob o influxo desses exemplos, nos números 1 a 10 da revista Kokage (Sombra de Árvore) - mensal, dirigida por Nenpuku Sato - foram divulgados vinte e oito haiku traduzidos para o português.

No momento em que redigimos estas notas [1985], o São Paulo Shimbum mantém uma coluna chamada 365 Dias Haiku Brasileiro, com explanações sobre haiku em idioma português.

A propósito, convém lembrar que é muito rara a divulgação impressa de haicai vertido para o idioma nipônico. Mas, quando se trata de haicai que apresenta termo de estação do ano, parece ser possível sua tradução para o japonês e pode ter valor de haiku.

A seguir apresentamos algumas amostras de traduções de haiku para o português.

Tradução de haiku feita por Wenceslau de Moraes:

Um templo, um tanque musgoso
mudez, apenas cortada
pelo ruído das rãs
saltando à água... mais nada

Aru tera, aru kokemushita ike
Seijaku, wazukani yaburareta
kaeru no oto ni yotte
mizu ni tobikonda, kû, kû...

(Tradução literal por Masuda)

Está evidente que se trata da tradução de Furu ike ya kawazu tobikomu mizu no oto, do grande mestre Bashô. Percebe-se entretanto que, divergindo de outros tradutores, Moraes não segue a regra de três linhas, adota a quadra, acrescentando algumas palavras, buscando transmitir fielmente o sentido real do haiku original.

(De Venceslau de Moraes e Outras Evocações, 1980, de Jorge Fonseca Júnior)

Um velho tanque
Uma rã nela mergulha
Ruído n'água

(Tradução de Oldegar Vieira, em O Haikai, 1975)

Furuike
kaeru ga tobu
mizu no oto

(Tradução literal por Masuda)

velha lagoa
o sapo salta
o som da água

(Tradução de Paulo Leminski. De Matsuo Bashô , do mesmo, 1983. Este haicai está escrito inteiramente em minúsculas, e não tem pontuação).

Furui ike
ippiki no kaeru ga moguru
suichû ni sôon

(Tradução literal por Masuda)

A cigarra... Ouvi:
Nada revela em seu canto
Que ela vai morrer.

(Tradução de Manuel Bandeira. Obras Completas, 1958)

Semi... (watashi wa) kiita
nakigoe niwa nanimo arawarete inai
(semi ga) shinde iku koto o

(Tradução literal por Masuda)

Haiku original:

Yagate shinu keshiki wa miezu semi no koe













Esta coluna foi editada por Tokasui Majima com tradução de Akemi Majima.






1 de maio de 1997

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